Rede SWIFT
A SWIFT (Society for Worldwide Interbank Financial Telecommunication) é uma cooperativa de propriedade de seus membros que opera uma rede global e segura para a troca de mensagens financeiras. É fundamental entender que a SWIFT não movimenta fundos, não liquida transações nem mantém contas. Sua função é ser um "serviço de correio" altamente seguro e padronizado, que permite que instituições financeiras troquem ordens de pagamento e outras informações de forma confiável.
Pilares da Operação SWIFT
Para que a comunicação funcione, a SWIFT se baseia em três componentes essenciais:
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Códigos BIC (Bank Identifier Codes): Também conhecido como código SWIFT, o BIC é o endereço único de cada instituição na rede. É um código de 8 ou 11 caracteres que identifica o banco, o país, a cidade e, opcionalmente, a agência - exemplo, BCBRBRSP do Banco Central do Brasil.
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Mensagens Padronizadas: Toda comunicação na rede segue formatos rígidos. Isso garante que a máquina de um banco na Coreia do Sul entenda perfeitamente uma instrução enviada pela máquina de um banco no Brasil.
- Série MT (Message Type): O padrão clássico. A mensagem mais comum em câmbio é a MT103, que é uma ordem de transferência de um cliente. Ela contém todos os campos necessários: dados do ordenante, do beneficiário, valores, moedas, bancos intermediários, etc.
- Série MX (ISO 20022): O padrão mais moderno, baseado em XML, que está gradualmente substituindo o MT. As mensagens MX são mais ricas em dados, permitindo maior automação e transparência no processamento.
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Relação de Contas Correspondentes: Este é o trilho por onde o dinheiro efetivamente viaja. Para que um banco brasileiro pague um fornecedor na Alemanha, ele não envia dinheiro "pela SWIFT". Em vez disso, o banco brasileiro provavelmente tem uma conta em euros em um grande banco alemão (seu "banco correspondente"). A mensagem SWIFT (MT103) é uma ordem para que este banco correspondente debite a conta do banco brasileiro e credite o valor na conta do banco do fornecedor final.
Problemas e Desafios da Rede SWIFT
Apesar de sua posição dominante e de sua importância para a estabilidade do sistema financeiro global, o modelo operacional da SWIFT, que se baseia na arquitetura de bancos correspondentes, apresenta atritos significativos que se tornam mais evidentes na era dos pagamentos instantâneos. Estes desafios são o principal motor para o surgimento de novas tecnologias e fintechs no setor de câmbio.
Custos Elevados e Opostos
O custo de uma transferência SWIFT não é único nem transparente. Ele é composto por múltiplas camadas:
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Taxa da SWIFT: A própria SWIFT cobra dos bancos por mensagem enviada. Este é um custo menor, repassado ao cliente.
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Taxa do Banco Ordenante: O banco que inicia a transação cobra sua própria taxa de serviço.
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Taxas dos Intermediários (O Custo "Oculto"): Este é o principal problema. Cada banco correspondente na cadeia cobra uma taxa de processamento (ou "lifting fee") para manusear a transação. O valor dessas taxas não é padronizado e, frequentemente, não é conhecido pelo banco de origem. Essas taxas são simplesmente deduzidas do montante principal da transferência, o que significa que o beneficiário recebe menos do que o valor enviado originalmente.
Falta de Previsibilidade
A imprevisibilidade é uma consequência direta da estrutura de múltiplos intermediários. É quase impossível garantir uma data e hora exatas para a liquidação, e atrasos podem ocorrer devido a: fuso horários e cut-offs, feriados locais, análises de compliance, etc.
Baixa Transparência e Rastreabilidade
Para o cliente final, o processo é frequentemente uma "caixa-preta". Uma vez que a ordem é enviada, é difícil saber onde exatamente os fundos estão localizados ou o motivo de um eventual atraso.
Para mitigar isso, a própria SWIFT lançou a iniciativa gpi (Global Payments Innovation), que introduziu um código único de rastreamento (UETR) para cada transação, permitindo um acompanhamento em tempo real similar ao de uma encomenda de logística. Embora o gpi tenha melhorado a transparência, sua adoção e a qualidade da informação ainda variam entre os bancos.
Tecnologia e Dados Legados
O formato de mensagem tradicional da SWIFT (série MT) é uma tecnologia antiga e limitada na quantidade de dados que pode carregar. Informações importantes, como detalhes completos de uma fatura, muitas vezes não cabem na mensagem de pagamento e precisam ser enviadas por outros meios (e-mail), dificultando a reconciliação automática para as empresas.
A SWIFT está liderando uma migração global para um novo padrão, o ISO 20022 (mensagens MX), que é baseado em XML e muito mais rico em dados. No entanto, essa migração é um processo lento, complexo e caro para toda a indústria bancária, e os benefícios plenos só serão sentidos quando a adoção for universal.
Estudo de Caso: Pagamento a Fornecedor via SWIFT
A "Componentes Automotivos Sul Ltda.", uma fabricante de autopeças de Caxias do Sul (RS), precisa pagar uma fatura de EUR 85.000,00 a seu fornecedor exclusivo, a "Muller Auto Parts GmbH", sediada em Stuttgart, Alemanha. O pagamento é crítico para liberar um novo lote de componentes.
O banco da empresa brasileira é um banco regional (Banco ABC S.A.) que não possui uma relação de correspondente direto com um grande banco na Zona do Euro. Sendo assim, vamos asssumir a cadeia de correspondência abaixo do ordenante até o beneficiário para mostrar o processo:
- Banco do Ordenante (Brasil): Banco ABC S.A.
- 1º Banco Intermediário (EUA): Citibank N.A., Nova Iorque (detém a conta em EUR do Banco ABC).
- 2º Banco Intermediário (Alemanha): Deutsche Bank AG, Frankfurt (banco correspondente do Citibank na Zona do Euro).
- Banco do Beneficiário (Alemanha): Commerzbank AG, Stuttgart.
Execução e a Liquidação Interbancária
O processo se desdobra em duas camadas paralelas: o envio de instruções (via SWIFT) e a movimentação de fundos (a liquidação entre as contas dos bancos).
Passo 1: A Ordem e o Débito Inicial
A "Componentes Automotivos Sul" autoriza o pagamento. O Banco ABC debita da conta do cliente o valor equivalente em Reais (BRL) aos EUR 85.000,00 (calculado pela taxa de câmbio do dia), mais sua taxa de serviço. O primeiro movimento financeiro foi concluído.
Passo 2: A Mensagem de Instrução (SWIFT MT103)
O Banco ABC cria e envia uma mensagem SWIFT MT103. Esta mensagem é a ordem de pagamento, não o dinheiro em si. Ela instrui o Citibank a iniciar a cadeia de pagamentos que culminará no crédito para a "Muller Auto Parts GmbH".
Passo 3: Liquidação da Primeira Perna (Brasil -> EUA)
A mensagem SWIFT autoriza o Citibank a agir. A liquidação ocorre da seguinte forma:
- O Citibank debita EUR 85.000,00 da conta Nostro que o Banco ABC mantém com ele. Neste momento, o "dinheiro" do Banco ABC já está em posse do Citibank.
- O Citibank também debita sua taxa de serviço (ex: EUR 30,00) desta mesma conta, restando EUR 84.970,00 para seguir na cadeia.
Passo 4: Liquidação da Segunda Perna (EUA -> Alemanha)
Agora, o Citibank precisa pagar o Deutsche Bank na Alemanha.
Seguindo as instruções da MT103, o Citibank ordena uma transferência de EUR 84.970,00 para o Deutsche Bank. Essa transferência entre dois grandes bancos na Europa ocorre através de um Sistema de Liquidação em Tempo Real (RTGS), como o TARGET2 (o sistema do Banco Central Europeu).
Isso significa que há uma transferência real e irrevogável de fundos entre a conta que o Citibank mantém no sistema e a conta que o Deutsche Bank mantém. É a liquidação final entre os intermediários.
O Deutsche Bank, por sua vez, cobra sua taxa de serviço (ex: EUR 25,00) sobre o valor recebido.
Passo 5: Liquidação Final na Alemanha
O Deutsche Bank agora tem EUR 84.945,00 e a instrução final da MT103. Ele executa uma transferência local, dentro do sistema de compensação alemão, para o Commerzbank. O Commerzbank recebe os fundos e, finalmente, credita os EUR 84.945,00 na conta da "Muller Auto Parts GmbH".
Resultado
O pagamento foi concluído, a rede SWIFT proveu o caminho seguro e padronizado para as instruções, enquanto a liquidação (a movimentação real do dinheiro) ocorreu através de uma série de débitos e créditos em contas Nostro e transferências em sistemas de liquidação de alta performance como o TARGET2. Cada banco na cadeia executou sua parte da instrução e foi remunerado por seu serviço, resultando no crédito final ao beneficiário.
Observa que o beneficiário:
- Não recebeu o valor integral negociado, pois cada banco na cadeia cobrou sua taxa de serviço.
- Não existiu previsibilidade de quanto os fundos estariam disponíveis para o beneficiário.
- Durante o processo, tando o ordenante quanto o beneficiário não sabia em que estado o pagamento estava.